1. Alienação Parental
A conduta de alienar e afastar as crianças e adolescentes do genitor ou de outros familiares sem justificativa, apesar de muito antiga e recorrente em todos os moldes de famílias ao redor do mundo, foi identificada e classificada apenas no final dos anos 80, nos Estados Unidos, por vários psiquiatras e psicólogos envolvidos em trabalhos realizados com crianças pós-divórcio de seus genitores. O estudo americano mais conhecido é do psiquiatra infantil Richard A. Gardner.
Na sequência, a pesquisa desse fenômeno se difundiu na Europa e ganhou fama nos demais continentes por se tratar de um conjunto de comportamentos que envolve as áreas do direito, da psicologia e da psiquiatria.
A alienação parental é classificada por Gardner como uma síndrome, mas como síndrome significa uma doença que não está codificada no Código Internacional de Doenças, este termo é bastante criticado, chegando inclusive parte da doutrina portuguesa colocar em dúvida a base científica do estudo do psiquiatra americano. Contudo, em que pese às censuras e as discussões acerca da nomenclatura, não há como negar ser a alienação parental um fenômeno social e cultural que enseja forte regulamentação e atenção do Poder Judiciário, pois se trata
de uma covarde corrupção da inocência das crianças e dos adolescentes e de uma legítima tortura psicológica, tendo em vista a insalubre finalidade de quebra da relação parental por interesses mesquinhos do alienador, motivado principalmente por vingança, rancor e indignação, entre outros sentimentos negativos em relação ao alienado.
Na maior parte das vezes a alienação parental ocorre após o fim do relacionamento amoroso, pois os adultos não conseguem diferenciar os papeis da conjugalidade e da parentalidade. Neste cenário, os genitores e os filhos são os atores principais desta triste realidade, sendo a alienação parental ocasionada com mais frequência pelas mães, em virtude da tradição da guarda materna, especialmente quando os filhos são pequenos. O afastamento forçado do pai da prole é denominado “padrectomia” e “síndrome do pai destrutivo”, cujos conceitos malgrado requeiram maior precisão conceitual, deixam em evidência que o impedimento de os pais exercerem seus direitos e o contato com os filhos são mais recorrentes que a situação inversa.
Entretanto, ainda que seja mais comum o desencadeamento da alienação parental após o divórcio ou a dissolução da união estável, não é raro que a campanha para abolir o outro genitor inicie durante o matrimônio e seja até mesmo configurada entre outros parentes ou pessoas que tenham a responsabilidade sobre a guarda ou vigilância. Possível também serem os idosos vítimas da alienação parental, quando convencidos a se afastarem de descendentes inocentes pela perspicácia do alienador em ser contemplado com eventual benefício na herança.
Um protótipo de comportamento alienador durante o casamento constatado pela experiência prática foi a exclusão do sobrenome paterno do registro de nascimento da criança, pois a mãe não tolerava a família do marido, em face da ajuda financeira que ele dava aos pais, e, no processo de divórcio litigioso, como não poderia ser diferente, restou diagnosticada a alienação parental que tomou graves proporções.
Além do distanciamento e da obstrução do contato, a prole é manipulada e programada a odiar o familiar alienado, chegando ao ápice de comprar a ideia do alienador e ajudar na empreitada de destruição da relação afetiva, pois é convencido sutilmente a rejeitar o alienado e a ser leal com o responsável pela alienação parental, gerando desta forma um conflito de lealdade na psique das principais vítimas desta crueldade: as crianças e os adolescentes.
Para Richard Gardner existem três estágios de alienação parental: o leve, o moderado e o grave. Inicialmente, pode ocorrer o comportamento alienador de forma inconsciente e involuntária, ou ainda, esporádicos comentários negativos do outro genitor, sendo estes casos considerados leves, pois ainda não afetam a relação da criança com o alienado. O nível moderado é caracterizado quando aparecem comportamentos que obstruem a visitação e o contato, mas ainda assim, a prole consegue manter uma relação razoável com o genitor afastado. Já no nível grave, as crianças e os adolescentes já aderiram à campanha do alienador e se recusam a manter qualquer tipo de contato com o alienado, sendo uma atitude comum a ameaça de fugir se forçado a visitá-lo.
Desta sorte, como o tempo é inimigo da alienação parental, a intercepção da instabilidade do comportamento do genitor alienador não pode tardar, pois como explica a psicóloga Beatrice Marinho Paulo, com o decorrer do lapso temporal a relação do filho com os genitores sofre consequências nefastas, tendo em vista que “inicialmente, uma crise de lealdade entre ambos, na qual o afeto por um é entendido como uma traição pelo outro, o que faz o filho, muitas vezes, comece a contribuir para a campanha de desmoralização do genitor alienado. Com o tempo, o genitor alienado passa a ser rejeitado ou odiado pelo filho, tornando-se um forasteiro para ele, e tendo o vínculo que os une irremediavelmente destruído, caso tenha ocorrido o hiato de alguns anos sem convivência, principalmente, quando esses anos foram os primordiais para a constituição do filho enquanto sujeito.”
Essas consequências provocadas pelo tempo decorrem da progressão da alienação, podendo no estágio grave aparecer uma espécie de pânico e recusa de visitar o alienado, ficando o filho perturbado pela mesma paranóia do alienador e com muita dificuldade de restabelecer os laços com o outro genitor, tendo inclusive, chance de serem criadas falsas memórias nesta criança, que um dia poderá vir a saber quem e como era realmente o genitor alienado.
Segundo Jorge Trindade, doutor em psicologia clínica, não resta dúvida que o processo de programar uma criança para que odeie o outro genitor, fazendo que a própria criança ingresse na trajetória de desmoralização desse mesmo genitor, é uma verdadeira forma de maltrato ou abuso. Caracteriza, inclusive, um crime de tortura, uma vez que o uso das chantagens de extrema violência mental ocorre sem nenhuma chance de defesa da criança ou do adolescente. Sem contar os casos mais extremos de alienação nos quais o genitor guardião acrescenta uma falsa acusação de agressão ou de abuso sexual.
Como no Brasil existe uma lei para coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres, a qual propõe entre as medidas protetivas de urgência o afastamento do agressor do lar familiar e a proibição de condutas como a aproximação da ofendida e seus familiares, bem como de contato com essas mesmas pessoas, as falsas acusações de agressões ocorrem com bastante assiduidade e, esta importante legislação acaba sendo um mecanismo eficaz para o afastamento paterno-filial, pois a interrupção da comunicação entre os genitores e a vedação de frequentar o mesmo ambiente e até mesmo de ficar mais de quinhentos metros da suposta vítima, dificultam, quando não inviabilizam, a visitação e o diálogo com os filhos, mormente quando não tem idade para ter seu próprio meio de comunicação, especialmente telefone celular.
No início da vigência Lei Maria da Penha (Lei nº. 11.340/2006) – assim denominada em homenagem a uma mulher que lutou para que seu agressor fosse condenado -, os juízes concediam as medidas protetivas na maior parte dos expedientes, mas a boa notícia para o combate da alienação parental é que, com o passar do tempo e com os inúmeros pedidos com finalidade diversa da prevista na lei, os magistrados começaram a ser mais cautelosos. Porém, ainda assim, existem os chamados “golpes da Lei Maria da Penha” que auxiliam e muito na obstaculização da visitação e na implantação de falsas memórias nas crianças que acreditam serem seus pais reais agressores, quando na verdade, nenhum mal cometeram; ao contrário, são genitores amorosos e desesperados pela proteção e resgate do afeto dos seus filhos.
Somados às maquiavélicas estratégias do alienador, são indícios típicos da alienação parental: a desvalorização do outro genitor para terceiros e para os filhos; interceptar cartas, e-mails, mensagens, telefonemas e qualquer outra forma de contato; injuriar e chamar de forma ofensiva o novo cônjuge ou companheiro do genitor; proteger excessivamente o filho com a intenção de ser o único adulto confiável; tomar decisões importantes sobre o filho sem consultar o outro; trocar nomes ou sobrenomes (atos falhos); apresentar novo cônjuge ou companheiro como novo pai ou nova mãe; impedir o outro genitor de receber informações sobre os filhos; sair de férias e deixar os filhos sob os cuidados de terceiros; excesso de controle do filho; culpar o outro pelo mau comportamento da prole; dizer que ficará triste, se o filho visitar o outro genitor; ocupar as crianças no horário das visitas com programas mais atrativos; mudar de cidade ou residência apenas para dificultar a convivência; exagerar nas ligações nos dias de visitação; criar medo e insegurança nos filhos; inventar doenças no retorno das visitas com o outro genitor, entre outros intermináveis condutas de caráter exclusivamente destrutivo do vínculo parental.
Logo, quando houver a existência desses insalubres comportamentos, por óbvio que o Poder Judiciário não pode ficar inerte e premiar o alienador com a falta de proteção das crianças e com o não uso dos mecanismos preventivos e protetivos inteligentemente criados por Gardner e aplicados por parte dos julgadores, pois se há dúvida ser a alienação parental uma síndrome ou não, por outro lado, não há dúvida se tratar de uma realidade social que assombram às famílias, e sobretudo, às crianças e os adolescentes e, por essa razão, imperiosa a proteção e a intervenção do Estado quando aparentes os indícios desta insana lavagem cerebral.
2. A Lei brasileira da Alienação Parental (Lei nº. 12.318/2010)
Diante da criatividade e da crueldade dos alienadores e, em especial, da necessidade de proteção às vítimas da alienação parental, em 26 de agosto de 2010 foi promulgada no Brasil a Lei nº. 12.318. Esta legislação, além de ter sido cautelosa em definir juridicamente o instituto para não ser um conceito indeterminado e como tal gerar divergência e cair no desuso, exemplificou formas de alienação parental para permitir maior grau de segurança aos julgadores e auxilia-los na identificação desta espécie de comportamento, para poderem inibir a alienação. A lei também listou instrumentos protetivos, que acabam evidentemente tendo também caráter educativo, pois aquele que está em ação na campanha de afastamento e destruição do vínculo parental, uma vez alertado da caracterização da alienação parental, pensará duas vezes em seguir utilizando a prole como instrumento de vingança para atingir o outro genitor.
O conceito legal foi inspirado em elementos oriundos da psicologia e está espalhado por toda a legislação, mas inicialmente previsto no art. 2º: “Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos como este.”
Em seguida, o parágrafo único do mencionado artigo apresenta os seguintes exemplos de alienação parental: realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; dificultar o exercício da autoridade parental; dificultar o contato de criança ou adolescente com o genitor; dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares e médicas com criança ou adolescente; apresentar falsa denúncia contra o genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente, e mudar de domicilio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.
Muito embora o rol exemplificativo dos atos alienadores seja exíguo, ele identifica as condutas clássicas pelas quais se opera a alienação parental, de sorte que não há como negar ser um mecanismo eficaz para o magistrado identificar, com razoável segurança, o exercício abusivo da autoridade parental. Contudo, apesar de a lei proporcionar estes elementos para os juízes identificarem os indícios de alienação parental, e de início, coibirem o agravamento das condutas, a realidade é que são raras as decisões judiciais no Brasil que reconhecem, em tempo, a ocorrência de atos de alienação parental. Na grande maioria dos casos, o Judiciário espera a elaboração de laudos psicológicos e/ou psiquiátricos – que igualmente são quase sempre superficiais e não conclusivos – para tomar alguma medida e como o tempo é o maior rival desta situação, por vezes quando identificada a alienação, o resgate dos filhos se torna inviável, pois ou o vínculo parental já foi destruído, ou ainda, as crianças e adolescentes já se tornaram maiores de idade durante o processo e nada mais sobra ao genitor alienado, senão lamentar a contribuição do próprio Poder Judiciário para a consolidação da alienação parental.
Ao conceituar a alienação parental, o legislador teve o cuidado de não restringir o sujeito ativo aos genitores, mas a estende-lo a qualquer pessoa que tenha a criança ou o adolescente sob a sua guarda ou vigilância, claramente para evitar o uso de terceiros para tal fim. E, ao não utilizar a palavra “síndrome”, resta claro que a lei não trata da alienação como uma patologia que merece punição, mas como um conjunto de condutas que merece intervenção judicial, não para penalizar o alienador, mas para proteger as crianças, adolescentes e outras vítimas deste martírio psicológico.
A Lei nº. 12.318/2010, em seu art. 4º, dispôs mais uma relevantíssima ferramenta para amenizar os deletérios efeitos da alienação parental ao determinar que uma vez identificado um indício de ato alienador, a requerimento das partes ou de ofício, em qualquer momento processual e em qualquer processo, o juiz dará prioridade à tramitação processual, e após a oitiva do Ministério Público, determinará as medidas provisórias necessárias para preservação psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com o genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos se for o caso.
Após assegurada a convivência para preservação dos laços de afeto, pode o magistrado se valer de perícias psicológica, psiquiátrica e biopsicossocial como auxílio à decisão judicial, cujos estudos devem não só envolver entrevistas pessoais com os envolvidos, como o exame dos documentos existentes no processo, o histórico do relacionamento do casal e de suas experiências quando filhos, avaliação da personalidade dos envolvidos, cronologia de incidentes e o exame da forma como a criança ou adolescente se manifestar acerca de eventual acusação contra o genitor.
Além destes mecanismos, o julgador ainda tem a opção de utilizar o depoimento sem dano, um experimento inovador não previsto na Lei nº. 12.318/2010, que permite a prática de audiências com crianças e adolescentes vítimas de alienação parental sem o constrangimento de estar em frente do juiz e dos genitores. O depoimento sem dano ocorre concomitantemente em duas salas separadas, mas conectadas com aparelho de som e imagem. Em uma sala, a criança conversa com um assistente social ou psicólogo, enquanto na outra ficam o promotor, os advogados, as partes e o juiz, que faz perguntas ao profissional que está na outra sala com a vítima, sem que ela perceba. Esta diferente maneira de oitiva do menor iniciou em casos de violência doméstica, e hoje é utilizada apenas no sul do Brasil, onde o depoimento sem dano foi implantado em 2006.
O novo Código de Processo Civil brasileiro, que entrou em vigor 18 de março de 2016, determina no art. 699 a necessidade de o juiz estar acompanhado por especialista quando colher o depoimento de incapaz e quando o processo envolver discussão sobre abuso ou alienação parental. Porém não descreve como o depoimento deve ser colhido, tendo o legislador processual perdido a oportunidade de implementar o depoimento sem dano em todo o território nacional, restando à doutrina e à jurisprudência direcionar e estabelecer a forma menos traumática de oitiva dos menores.
Uma vez identificada a alienação parental, o juiz deve utilizar, de forma cumulativa ou não, as medidas de proteção à criança e ao adolescente previstas no art. 6º, a saber: declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; estipular multa ao alienador; determinar o acompanhamento psicológico e/ou biopisicosocial; determinar a alteração da guarda para guarda compartilha ou sua inversão; determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente, e declarar a suspensão da autoridade parental, cuja medida deverá ocorrer de acordo com art. 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Na hipótese de haver mudança abusiva de endereço, pode o juiz inverter a obrigação de quem levará ou buscará a criança ou adolescente na residência do genitor alienado, para evitar que haja ainda oneração daquele que sofre com os atos alienadores.
É importante compreender que tais providências específicas são de caráter predominantemente protetivo, e não punitivo, pois a lei visa antes de mais nada preservar os interesses das crianças e dos adolescentes e evitar o desenvolvimento da alienação parental a níveis mais críticos e irreversíveis, sendo a proteção do genitor alienado apenas efeito secundário. Aliás, o caráter punitivo pretendido no Projeto de Lei foi vetado pelo Senado Federal, sob a justificativa de que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069/1990) já contempla algumas penalidades para inibir a alienação parental e a inclusão de sanção de natureza penal poderá ser prejudicial à criança e aos adolescente, detentores dos direitos que se pretende assegurar.
É evidente que ao permitir a aplicação isolada ou cumulativa das soluções preventivas do art. 6º da Lei da Alienação Parental, cabe ao representante do Ministério Público e ao juiz diagnosticarem, o mais célere possível, o grau desse fenômeno em cada caso concreto e aplicarem o antídoto ao agravamento da alienação parental, havendo, inclusive, medidas não traumáticas, como por exemplo a determinação de acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial, alteração da guarda unilateral para compartilhada e o aumento da convivência familiar em favor do genitor alienado que deveriam ser aplicadas sem tanta preocupação, pois além de não trazerem prejuízos a nenhuma das partes envolvidas, tais providências contribuem para uma mudança positiva nos relacionamentos contaminados pela alienação parental.
Aos atos mais graves, recomenda-se a alteração da guarda unilateral e do domicílio do menor ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, ou ainda, a suspensão da autoridade parental, tudo isso na tentativa de restaurar a saudável dinâmica familiar.
Além dessas medidas, a Lei da Alienação Parental ressalva a possibilidade de responsabilização cível e criminal dos alienadores. Com base nesta orientação e nos requisitos da responsabilidade civil (causa, nexo de causalidade e dano), no Brasil surgiram decisões de condenação de danos morais em virtude da alienação parental, principalmente quando há falsa alegação de prática de atos libidinosos em relação à infante ou inverídica alegação de violência doméstica . Por outro lado, parte da jurisprudência entende faltar interesse de agir para ação indenizatória, sob o fundamento de que “a ação de a alegação de alienação parental importaria em ‘promoção de meios para atenuar, o mesmo pôr fim a eventuais atos lesivos praticados pelo guardião.’ A alegação de impossibilidade de assim agir por “culpa” da mãe da criança é pueril, já que a propositura da ação poderia buscar justamente a finalidade dita inalcançada, ou seja a aproximação à filha adolescente”. Neste julgado, o Tribunal de Justiça de São Paulo, interpretou a ação indenizatória como intenção do genitor em persistir no litígio e aumentar a animosidade entre as partes, cujo entendimento não deve ser aceito, ao menos em abstrato, pois uma vez alienado o filho, não resta outra solução senão a tentativa de reparação do dano, inclusive à criança, não só a título reparador, mas principalmente pelo caráter dissuasório e educativo da condenação.
Muito embora não esteja previsto na lei, relevante apontar que parte da doutrina e da jurisprudência brasileira defende a possibilidade da autoalienação parental, também conhecida como alienação autoinflingida, cujo fenômeno ocorre, em regra, quando após a dissolvição do casamento ou da união, um dos genitores – normalmente a figura paterna – adquire uma nova relação familiar sem respeitar o tempo dos filhos de compreensão da nova dinâmica familiar. Desta forma, ao querer inserir a prole na nova família, o genitor acaba por, consciente ou insconscientemente, afastar os filhos de si e realizar a sua autoalienação parental.
3. Conclusão
Com essas breves anotações é possível concluir ser a Lei nº. 12.318/2010 um avanço considerável para o ordenamento jurídico brasileiro, pois tem papel fundamental e eficaz nos litígios familiares, precisando ser aplicada com mais rigor pelos magistrados, sob pena de a Justiça se tornar uma aliada da alienação parental, não só por contribuir com a demora dos processos, mas por gerar um efeito deseducativo, o qual acaba por incentivar a continuidade deste comportamento.
Nos processos de família há uma enorme dificuldade de coletar provas da alienação parental. E, por vezes, quando reunidos suficientes para demonstrar a nítida intenção de uso da prole como meio de vingança, alguns juízes, por insegurança ou falta de conhecimento, saem pela tangente sob o frágil fundamento de inexistir provas suficientes, ou ainda, de se tratar de meros conflitos decorrentes do fim do relacionamento que não caracterizam a conduta alienadora. Chama atenção, inclusive, hipóteses nas quais os julgadores encaram desenhos das crianças como fantasias infantis e não dão o valor necessário na clara amostra da alienação feita pela criança.
Apesar da modernidade da lei, como há uma enorme resistência do Judiciário em investigar e julgar processos de alienação parental. É deveras assustador acompanhar essa passividade, de sorte que urge seja feita uma campanha de combate à alienação parental, insistindo na devida aplicação da lei já existente, antes que a campanha do alienador siga roubando, sob os olhos do Judiciário, a inocência e a infância das crianças vítimas desta verdadeira tortura mental.
Advogada especialista em Direito de Família e Sucessões, pós-graduada em Direito de Família pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e integrante da diretoria do IBDFAM/RS.
“Em Michigan, psicólogos que não conheciam o trabalho de Gardner publicaram trabalhos sobre a Síndrome em que a criança repetia tudo aquilo que o progenitor impedidor dizia sobre o outro, adotando a sua terminologia, se referindo a situações que dizia recordar, porém que não haviam ocorrido e que, a serem reais, não poderiam ter sido relembradas pela sua tenra idade. Esta Síndrome explicava alguns casos de denúncias falsas de abusos sexuais, e os autores deste trabalho foram Blush e Ross (1980), que o designaram de SAID. Outros autores que trabalhavam na área legista chegaram a definir tipologias ou perfis de personalidade para o progenitor que acusa falsamente, tendo destacado o vínculo patológico entre a criança e o progenitor que exerce a guarda. Jacobs em Nova York e Wallerstein na Califórnia descreveram casos daquilo que eles designaram como síndrome de Medea. Citaram Gardner, tal como o faria Turkat na sua Síndrome de Denúncia Maliciosa (1994) (Falsas acusações para interromper o vínculo).” ALVAREZ, Delia Susane Pedrosa. Falsas acusações para interromper o vínculo. Disponível em: http://www.apase.org.br. Acesso em 14 de março de 2017.
Nesse sentido defende Maria Clara Sottomayor em seu livro regulamentação do exercício das responsabilidades parentais nos casos de divórcio. Para a Sottomayor o raciocínio de Gardner para diagnosticar a SAP – Síndrome da Alienação Parental – é circular, sem base científica, e além de não atender o interesse dos menores com a teoria da ameaça (medidas punitivas do alienador), se trata de uma diabolização das mulheres e uma negação da violência de gênero. SOTTOMAYOR, Maria Clara. Regulamentação do exercício das responsabilidades parentais nos casos de divórcio. 5º. Ed. Coimbra: Almedia, 2011, p. 160/161.
MARTINEZ, Nelson Zicavo. Tese sobre padrectomia. Disponível em: http://.www.apase.org.br/91010-padrectomia.thm>. Acesso em: 14 de março de 2017.
GARDNER, Richard. The parental alienation syndrome. 2ª ed., Cresskil, NJ: Creative Therapeutics, 1998, p. 136.
PAULO, Beatrice Marinho. Alienação Parental: Identificação, Tratamento e Prevenção. In Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, 19ª ed., Porto Alegre: Magister, 2010, p. 09/10.
TRINDADE, Jorge. Síndrome de Alienação Parental, In: Incesto e Alienação Parental, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, pgs. 22/23.
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003; II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III – proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
Indenização por danos morais. Partes têm filha comum. Apelante alegara que o apelado praticou atos libidinosos em relação à infante, porém, nada comprovou, inclusive no âmbito criminal. Afronta à dignidade da pessoa humana do genitor e exposição à situação vexatória caracterizadas. Apelado que sofrera enorme angústia e profundo desgosto, além de ampliação da aflição psicológica com o cerceamento do exercício do direito de visitas. Danos morais configurados. Beligerância entre as partes se faz presente, desconsiderando o necessário para o bem-estar da menor. Verba reparatória, fixada em R$31.520,00, compatível com as peculiaridades da ação. Pedido contraposto sem consistência, haja vista a demanda observar o procedimento ordinário. Peça intitulada como tal que fora recebida como contestação, destacando o princípio da efetividade do processo, pois, do contrário, a ré seria revel. Ausência de reconvenção. Devido processo legal observado. Apelo desprovido. (TJ-SP – APL: 00027050520148260220 SP 0002705-05.2014.8.26.0220, Relator: Natan Zelinschi de Arruda, Data de Julgamento: 21/07/2016, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/07/2016)
Apelação. Indenização por danos morais. Extinção, sem julgamento de mérito, por carência da ação. Não oitiva de testemunhas. Extinção que pressupõe a não análise do mérito. Nulidade inocorrente. Indenização por danos morais proposta contra a mãe da filha do apelante, sob o fundamento de alienação parental, com pretensão pecuniária. Inadequação da via eleita. Pretensão única de aumentar e instigar o enorme litígio existente entre as partes. Má-fé processual. Valor da indenização e da multa fixados de acordo com a circunstância concreta e com moderação. Gratuidade judiciária conferida em sentença mantida. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (TJ-SP – APL: 00201349620108260002 SP 0020134-96.2010.8.26.0002, Relator: Silvia Sterman, Data de Julgamento: 07/07/2015, 9ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/07/2015).
MADALENO, Ana Carolina Carpes e MADALENO, Rolf Hanssen. Síndrome da Alienação Parental. 4ª ed, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2017, p. 160/167.